A rua da casa da minha avó em Minas só ganhou calçamento quando eu já era quase adulto – hexágonos de cimento ou de concreto mal sapados (a grama crescia livre em seus vãos). Quando eu era menino, tudo era terra, tudo era de terra.
Eu me esbaldava num barro claro com muita mistura de areia. Em janeiro a água das chuvas corria muito limpa sobre a sílica que faiscava sobre essa lama clara. Eu ficava até os tornozelos naquilo, cavando, esperando achar uma moeda romana, um osso de dinossauro, o baú de um pirata. Eu era como Alice: solitário e fervilhante.
À tardinha, cansado, me sentava no alpendre e via procissões de mulheres negras que falavam alto e riam muito. Se uma me sorrisse, eu abaixava a cabeça, envergonhado; às vezes, tinha vontade de fugir.
Na torre da igreja havia um alto-falante que, às seis da tarde em ponto, todo sábado, tocava o “Tema de Lara”. Fazia calor; um silêncio se esticava como elástico até que as pessoas começassem a sair de suas casas e fossem à praça. Eu entrava para jantar vendo um céu imenso pelo janelão da cozinha, e deixava de me perguntar muitas coisas, absorvido.
19 comentários
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28 setembro 2009 às 9:13 pm
Patty Diphusa
Solitário e fervilhante. Me lembro, vagamente, de que tive essa sensação na vida. Acho que o fervilhante se foi. rs.
Ótimo.
bjs
29 setembro 2009 às 9:21 am
Orlando
Eu arriscaria dizer, Patty, que o fervilhante não se vai, não. Este blogue faz as vezes de um gêiser, de vez em quando. 🙂
29 setembro 2009 às 1:33 pm
Patty Diphusa
Eu estou procurando meu gêiser. Acho que vou para Atacama em busca de alguns. rs
Bjs
29 setembro 2009 às 10:23 pm
Orlando
;), Patty.
29 setembro 2009 às 10:30 pm
José Américo de Melo
Parece-me que temos nesta quinta um Violeta em projeto?
30 setembro 2009 às 12:04 am
Yan
Cada vez que leio algo sobre lembranças da infância, mais eu penso em não chegar à velhice.
30 setembro 2009 às 4:50 am
Orlando
Temos sim, Érico. E o Sérgio já confirmou.
É possível que a gente não chegue independentemente de vontade, Yan: these old hearts of ours…
1 outubro 2009 às 9:48 am
Érico
Então é hoje! 19:30?
Inté.
1 outubro 2009 às 10:05 am
Orlando
Inté!
1 outubro 2009 às 2:21 pm
Caio Marinho
Solidão é que nem melancolia: não sai de você.
2 outubro 2009 às 6:59 am
Orlando
Ela é uma companheira fiel, Caio.
4 outubro 2009 às 11:34 am
Yan
Como assim? Solidão é sua companheira? E EU??? E suas gordurinhas?? Isso sim é fidelidade. Mas comente a importância das Olimpíadas no Brasil!
4 outubro 2009 às 12:37 pm
Orlando
Você é como a solidão, meu querido Yan. Antes do Brasil ser escolhido, eu era indiferente; agora, simplesmente não me importo.
8 outubro 2009 às 8:27 pm
claudia lyra
NÃO cala a boca, memória! Por favor!
Beijos.
8 outubro 2009 às 9:15 pm
Orlando
Não vai calar tão já, Claudia Lyra. Obrigado, e beijo.
27 outubro 2009 às 1:46 pm
Rose Marinho Prado
É Minas, é MInas…Mas não tive tempo de pensar , de lá me levaram.
Na igreja da minha cidade tocam Ave Maria …e o sol fica esfiapado em cores na hora. E quando morre “Nota de falecimennnnto”, dando uma aprofundada no mennnto….
7 novembro 2009 às 2:02 pm
rose
legal..não entendo ,as tudobem
8 novembro 2009 às 9:48 pm
Orlando
O que você não entendeu, Rose?
17 novembro 2009 às 8:23 pm
rose
não entendi o não-entendimento